terça-feira, 25 de março de 2008

A MEMÓRIA DA TERRA





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*A MEMÓRIA DA TERRA

A Terra tem memória. Sua memória são seus recursos, incluindo tudo que lhe foi dado quando criada: as limpas águas dos rios e lagos, mares e oceanos, a rica fauna e a densa flora que habitam os grandes reinos animal e vegetal, e a imponente riqueza do mundo mineral escondida em camadas de pedra sob a espessa capa de terra e mato. Guarda consigo, a memória das civilizações e só as revela quando submetida às duras incursões de escavações arqueológicas.

Não obstante a sua dimensão e resistência a Terra está perdendo sua memória e as causas são as mesmas que podem provocar amnésia em seres humanos: enfermidades, traumas ou drogas. O ritmo acelerado assinala a ação em cadeia de múltiplas causas. Pode estar havendo perda de tecido cerebral, simultaneamente a doenças degenerativas, associados, entre outros, ao envenenamento, à poluição e ao intensivo desmatamento.

Quem sofre de intensa amnésia vive isolado em um único momento de sua existência. Sem memória, em alguns aspectos, não está em lugar nenhum, a não ser num eterno presente, conforme delineia o Dr. Oliver Sacks em seu livro Alucinações Musicais, quando relata o caso de um paciente cuja memória se apaga em poucos segundos. Para alguém assim, o futuro é tão alheio quanto lembrar o passado e sua vida se reduz a uma apertada ilha cercada por fossos abissais.

Os quase sete bilhões de habitantes do planeta, mais parecem uma nuvem enfurecida de predadores, diria um ambientalista mais zeloso. Agindo num bailado contínuo de fascinada destruição, atormentam a Terra e minam quaisquer possibilidades de uma vida melhor num futuro breve. A Terra, agonizante, parece cambalear no espaço, mostrando fortes sinais de profunda amnésia e de incapacidade para alguma narrativa interna. Sua memória, mais presente pela ausência, nos confere a sensação de que não está nem vai a lugar algum.

Rios de águas sombrias, sujas e contaminadas, mais parecem uma malha de veias e artérias acometidas por placas de ateroma, assolados pelos intensivos e criminosos despejos de esgotos domésticos e industriais, às vistas e às claras de muitos, e, o que é pior, recebe o consentimento de todos em demonstração de impiedade e disposição à prática coletiva da eutanásia.

Trechos oscilantes de mares e oceanos, vítimas do seu tamanho, têm se tornado grandes depósitos de resíduos sólidos e de restolhos tóxicos, abastecidos pelos vazamentos, derramamentos e arremesso desordenado de toda sorte de subprodutos. Entupidos e intoxicados perdem importante tecido cerebral representado pela vida aquática e outras riquezas submarinas. Pescas predatórias, avanços de construções, turismo atrapalhado e, sobretudo, visão embaçada sobre o meio ambiente, podem está transformando um bondoso amigo num arrogante inimigo. Segundo o Programa Ambiental das Nações Unidas, existem 46 mil fragmentos de plásticos em cada 2,5 quilômetros quadrados dos oceanos. Há seis anos uma baleia encontrada morta no norte da França levava no estômago 800 quilos de sacolas plásticas (Revista Veja no 2050), consumidas por engano como alimento.

As ralas florestas em tons cinza, rarefeitas pelo implacável desmatamento, numa infeliz disputa com as queimadas criminosas para ver quem mais destrói, avançam em velocidade nunca vista. Só em janeiro próximo passado a Amazônia perdeu de sua floresta uma área equivalente a 40% da cidade de São Paulo. Nesse apocalíptico cenário de final de mundo o passado pode estar aqui sem ser lembrado e o futuro sem ser previsto.

Em meio a tanta desordem ambiental - os problemas de drenagem urbana e de saneamento básico nas grandes cidades, de desertificação nas áreas rurais, além dos enormes problemas sociais de violência, desemprego e exclusão - a Terra tem sido lugar de dor, espanto e confusão, levando muitos a acreditarem não ser mais aqui um bom lugar para se viver. Num certo sentido, pela perda de memória, em pouco tempo a Terra não estará em lugar algum; poderá se perder no tempo e no espaço. "Estamos perto da possibilidade de abandonar a Terra", disse o físico e astronauta italiano Umberto Guidoni, durante conferência realizada na Academia Nacional dos Lincei, uma das instituições científicas mais antigas da Itália.

Poluir o meio ambiente é um pecado tão grave quanto a gula, luxúria, avareza, ira, soberba, vaidade e preguiça, pelo menos na nova lista do Vaticano dos chamados pecados capitais. Se não atendemos ao clamor agonizante da Terra, ao menos o da consciência do pecado, num ou noutro caso pelo medo óbvio de perder a Terra Prometida.



*Memórias da Terra
Artigo Laudízio da Silva Diniz,
Publicado no Link no
www.paraíba.com.br
no link Colunistas



Laudízio da Silva Diniz

Laudízio da Silva Diniz é engenheiro civil pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), mestre em Engenharia Civil também pela UFPB e doutorando pela IPH (Instituto de Pesquisa Hídrica do Rio Grande do Sul) em Gestão de Recursos Hídricos. Laudízio é Diretor de Acompanhamento e Controle da AESA (Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba).








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