terça-feira, 13 de maio de 2008

GEOQUÍMICA GLOBAL







VÍDEOS SOBRE...
oscilações climáticas e evolução do meio ambiente desde quatro bilhões de anos



*Yves Tardy


AO RADIOTELESCÓPIO,
Penzias e Wilson captaram uma radiação fria (2,7K) de ondas milimétricas flutuando no espaço sideral. Esta radiação foi considerada o eco de uma formidável explosão de matéria, denominada Big Bang (Grande Explosão), ocorrida há 15 bilhões de anos. Tal descoberta veio confirmar uma teoria sobre a origem do Universo, já formulada no início do século por Gamow. Extremamente condensado no início e em processo de dispersão desde este instante primordial, o Universo está, ainda hoje, em expansão (Reeves, 1981, 1990).


O Big Bang: apenas uma teoria


O Big Bang é apenas uma teoria sustentada por uma série de fatos observados. Mas, como todas as teorias científicas, todas destinadas a ser questionadas ou mesmo a morrer, esta do Big Bang tem sido criticada atualmente. Talvez será preciso, um dia, abandoná-la. Contudo, mesmo que certas interpretações de fatos devessem ser deixadas de lado, seria um grave erro rejeitá-la em bloco. Idéias importantes surgiram com ela, as quais merecem grande atenção.

A origem é recuada: o universo oscila

Precisamos, sem dúvida, resignarmo-nos a abandonar o conceito de um instante primordial e a idéia demasiadamente simples de uma explosão generalizada. O instante inicial, o instante da origem do Mundo, se é que já existiu, deveria ser recuado para um tempo mais remoto. Outras teorias, talvez mais antigas que a do Big Bang, dizem que antes da fase de

dilatação ocorrida há 15 bilhões de anos, houve uma fase de contração que a precedeu. É possível imaginar que o Universo oscila desde sempre, contraindo-se ou dilatando-se.

Segundo uma teoria formulada antes da do Big Bang, a periodicidade desses movimentos seria de 80 bilhões de anos: durante 40 bilhões de anos, após um big bang, o Universo se dilata; durante os 40 bilhões de anos seguintes, ele se contrai e se condensa. A dilatação que segue se inicia após um novo big bang e prossegue por mais 40 bilhões de anos e assim sucessivamente.

Dilatações e contrações

Se considerássemos o Mundo como hoje, em expansão, mas anteriormente em contração, seria necessário também considerá-lo agora em dilatação mas anteriormente em condensação. A expansão do Universo é relativa pois, num contexto geral de dilatação, formam-se planetas, estrelas, galáxias e concentrações de matéria em condensação. Apenas dois anos após a descoberta de Penzias e Wilson, dois outros astrofísicos, Bell e Hewish, descobriram a existência dos pulsares, estrelas constituídas por nêutrons, extremamente densas e muito quentes. Ao lado, no espaço intersideral, muito dilatado e frio, o vazio é muito importante; apenas algumas moléculas flutuam.

O Mundo é feito de agregados que se formam e se destroem em todas as escalas de tempo e de espaço. O Mundo oscila, dilata-se e contrai-se, faz-se aqui e desfaz-se acolá. Tudo se passa, finalmente, como se o que se fizesse aqui fosse compensado pelo que se produzisse acolá e como se tudo o que fosse feito hoje compensasse o que se produziu ontem. Enfim, como se tudo o que se fizesse agora devesse ser compensado pelo que fosse produzido mais tarde. O Mundo é um sistema oscilante, contrastado, sempre e em todo lugar em compensação. Tudo é uma questão de escala de observação, tanto de tempo quanto de espaço.

Evolução da matéria: oscilações e compensações

É preciso que guardemos a idéia de que, através de contrações e de dilatações, uma parte nova de matéria surge e uma parte antiga é destruída. Partículas: quarks, bósons, elétrons, nêutrons, ...; átomos: hidrogênio, carbono, ferro, ...; moléculas simples: água, gás carbônico, metano, ...; moléculas complexas: aminoácidos, proteínas, ... são fabricados ou destruídos, desenvolvem-se ou reduzem-se, diversificam-se ou simplificam-se e, simplesmente, nascem ou morrem. Com a teoria do Big Bang, nasceu a idéia de que a Evolução das espécies vivas, complexas, está enraizada, longe e remotamente, na evolução das partículas, dos átomos e das moléculas minerais e orgânicas. Com a emergência das teorias que vêm ainda mais de longe no espaço e no tempo, a Evolução do Vivo aparece ainda como sendo talvez a evolução da matéria, diversificada e contrastada, mas também oscilante, simultaneamente progressiva e regressiva. Mas voltemos à Terra!


Os primeiros passos da atmosfera terrestre

O sistema solar, o Sol, a Terra e os outros planetas, apareceram há 4,8 bilhões de anos. Em torno da Terra, ainda quente, a atmosfera era constituída por vapor d'água (H2O), ácido clorídrico (HCl), gás carbônico (CO2), metano (CH4), hidrogênio (H2), nitrogênio (N2), amoníaco (NH3) e ácido sulfídrico (H2S). A atmosfera é ácida e redutora. O oxigênio livre está ausente. A atmosfera não é respirável!

Primeiros ciclos da água

Considera-se, com os primeiros ciclos da água, suas alterações, a hidrólise e a formação dos primeiros solos, bem como a neutralização da atmosfera.

A Terra resfria-se; o vapor d'água condensa-se; o primeiro oceano se forma; o ciclo da água coloca-se em funcionamento: evaporação, transporte, chuva, escoamento superficial em direção ao oceano e, novamente, evaporação.
A Terra torna-se animada; as coisas se repetem. Com o ciclo da água, começam a funcionar, igualmente, os ciclos geoquímicos (ainda não biogeoquímicos) de superfície (
1): alteração e formação dos primeiros solos; erosão, transporte, depósitos marinhos ou lacustres e formação dos primeiros sedimentos. A Terra se anima enquanto se instalam os ciclos geodinâmicos. No seu aspecto físico, as coisas parecem reproduzir-se. No seu aspecto químico, elas modificam-se.
Com a condensação do vapor d'água, forma-se a hidrosfera. A atmosfera, a hidrosfera e a litosfera interagem. Transferências químicas são produzidas. Simultaneamente à verdadeira redistribuição da matéria, diferenciam-se os ciclos geoquímicos dos elementos: carbono, enxofre, fósforo, silício, cálcio, magnésio, sódio, alumínio, ferro etc. Os processos geoquímicos dominantes são a dissolução e a alteração.


A dissolução dos gases atmosféricos nas águas conduz à formação dos ácidos clorídrico (HCl), sulfídrico (H2S) e carbônico (H2CO3).

A alteração (
2), resultado da interação entre atmosfera, hidrosfera e litosfera é, antes de tudo, química. Progressivamente, o oceano e a atmosfera têm sua composição modificada. Os ácidos clorídrico, sulfídrico e carbônico são neutralizados. O ácido clorídrico transforma-se em cloreto de sódio (NaCl), acumulado em solução no oceano (Cl vem da atmosfera; Na da litosfera); o ácido sulfídrico (hidrogênio sulfurado) é fixado nos solos ou nos sedimentos sob forma de sulfeto de ferro (FeS) (S vem da atmosfera e Fe da litosfera); o gás carbônico é também fixado sob a forma de carbonato de cálcio ou de magnésio (CaCO3, MgCO3) (C vem da atmosfera ou do oceano; Ca e Mg da litosfera).


A alteração dos silicatos da crosta terrestre fornece sílica e cátions básicos que, uma vez em solução, chegam ao oceano. Fornece também argilas (
3) que permanecem temporariamente nos solos (tabela 1). Os materiais argilosos formados nos solos são mais tarde erodidos, depois transportados na água dos rios em direção aos oceanos para formar os sedimentos.



O resultado da alteração é duplo: neutralização do oceano e da atmosfera e formação das argilas nos solos e nos sedimentos (tabela 1).

Os testemunhos do nascimento da vida

O oceano e a atmosfera tornam-se neutros ou pouco ácidos. A temperatura na superfície da Terra suaviza-se. O oxigênio continua ausente do ar atmosférico. Não se sabe se estes fatores foram determinantes mas é interessante sublinhar ter sido aproximadamente no mesmo momento no qual se formaram os primeiros sedimentos que os primeiros traços de Vida apareceram e nasceram as primeiras bactérias e, posteriormente, os primeiros vírus. As argilas, os sulfetos de ferro, os carbonatos de cálcio e de magnésio, se não são os ninhos da Vida, são os primeiros testemunhos de seu nascimento!

Desenvolvimento da vida e primeira revolução no ambiente terrestre
Há 3,5 bilhões de anos, as primeiras bactérias fotossintéticas aparecem. A reação de fotossíntese de uma molécula de matéria orgânica simples (CH2O) consome gás carbônico (CO2) e libera oxigênio (O2):
CO2 + H2O = CH2O + O2

Cada vez que uma molécula de matéria orgânica formada é conservada nos solos, cada vez que, por erosão e por soterramento nos sedimentos, uma molécula de matéria orgânica, preservada da oxidação, se conserva sob a forma de carvão, uma molécula de gás carbônico é retirada da atmosfera, enquanto uma molécula de oxigênio é liberada na atmosfera. Oxigênio é assim produzido por fotossíntese; mas, ele não está ainda livre, pois, assim que liberado, é imediatamente consumido pela oxidação de compostos redutores como metano, amoníaco, hidrogênio e ácido sulfídrico da atmosfera e os sulfetos de ferro ferroso (
4) da litosfera expostos à alteração. O metano da atmosfera oxida-se em gás carbônico. O hidrogênio se oxida em água. Os sulfetos da litosfera, expostos à alteração, e o anidrido sulfurado da atmosfera se oxidam em sulfatos. O ferro ferroso se oxida em ferro férrico. Todos os compostos redutores da hidrosfera, da atmosfera e da litosfera primitivas, captadores de oxigênio, progressivamente oxidam-se (tabela 2). O oxigênio assim capturado está presente, como reserva, nos compostos oxidados (Garrels & Mackenzie, 1971).



Os primeiros sulfatos sedimentares aparecem ao mesmo tempo que os primeiros organismos. São provas geoquímicas do aparecimento, sobre a Terra, da vida bacteriana fotossintética. O oxigênio dos sulfatos do oceano, gipso ou anidrita (CaSO4), hematita (Fe2O3) dos solos lateríticos e dos red beds (5), assim como uma parte do oxigênio ligado ao ferro férrico dos granitos da crosta terrestre reciclada, provêm do desenvolvimento da Vida (tabela 3). O oxigênio é fruto da Vida e, dito de outra forma, o resíduo (o excremento) natural da vida fotossintética, enquanto que o gás carbônico é seu alimento.



O oxigênio livre

Há dois bilhões de anos, ou seja, 1,5 bilhões de anos após o início da fotossíntese, quando a taxa de produção pôde equilibrar a taxa de consumo, sempre regulada pelo ritmo da erosão, o oxigênio livre fez sua aparição na atmosfera.


É, para o ambiente, a primeira revolução, pois os organismos fotossintéticos são, agora, obrigados a viver em meio ao seu excremento, o oxigênio, que se mistura com seu alimento, que é o gás carbônico.


O oxigênio invade e polui a atmosfera. Em excesso, o oxigênio torna-se o veneno da Vida. Veremos mais adiante que tal revolução, verdadeira poluição do meio global, deu origem talvez a duas invenções biológicas que marcaram fundamentalmente a Evolução das espécies vivas.


Deriva das placas continentais e oscilações da atividade tectônica global
Não se conhece muito da tectônica (
6) do Arqueano e dos tempos anteriores a dois bilhões de anos. No Proterozóico, entretanto, e sobretudo a partir de um bilhão de anos, as coisas tornam-se mais claras. A tectônica de placas (7) entra em cena: fraturas continentais e formação de riftes (8), expansão oceânica, deriva de placas continentais, colisão e formação de cadeias de montanhas, subducção (9) e metamorfismo (10).


Ao longo das dorsais oceânicas, a crosta traciona-se, rompe-se e desenvolve-se. Nas fraturas e nas falhas transformantes, ocorrem circulações convectivas hidrotermais onde se aceleram as trocas entre a água do mar e a crosta oceânica basáltica submarina. Ao longo das zonas de subducção, onde sismos e vulcões ativos testemunham um gigantesco afundamento do assoalho oceânico, a crosta e os sedimentos são intensamente aquecidos, transformados e metamorfisados.


Tempo de submersão e tempo de emersão


Quando a tectônica é ativa, as placas separam-se, os continentes fragmentam-se, o vulcanismo é vigoroso, a subducção é forte, o metamorfismo é intenso, o assoalho do oceano é arqueado, o nível dos mares é elevado, a altitude dos continentes tende a abaixar e a superfície das terras emersas diminui. São os tempos de transgressão e de submersão de Sloss (Mackenzie & Pigott, 1981).
Após as colisões e a formação das cadeias de montanhas, quando as placas são soldadas, a tectônica é calma, a subducção se desacelera, o vulcanismo e o metamorfismo se enfraquecem em intensidade, o fundo dos oceanos se deprime enquanto que a altitude dos continentes se eleva e a superfície das terras emersas cresce. O nível dos mares é baixo: são os tempos de regressão e de emersão de Sloss.


Os ritmos de transgressão e de regressão, de submersão ou de emersão são submetidos aos movimentos cíclicos de convicção do manto, ativados pelos pulsos cíclicos dos fluxos de calor.


Paleoclimas ou climas dos velhos continentes


Na escala dos tempos geológicos, o clima dos continentes oscila conforme as flutuações da tectônica global, por várias razões:


Há, inicialmente, razões de posição. Quando os continentes são reagrupados em torno dos pólos, instalam-se naturalmente períodos glaciais, frios e secos. Quando, ao contrário, vastas áreas oceânicas rodeiam os pólos, as condições suavizam-se. Quando os continentes estão localizados em torno dos trópicos e do equador, instalam-se climas quentes. No primeiro caso, a tendência é para a umidade; no segundo, para o caráter seco.


Em seguida razões de configuração. Quando os continentes estão fragmentados, as costas marítimas são longas e os climas são úmidos (sobretudo nas baixas latitudes e sobre as costas orientais); quando os continentes se reagrupam, o clima tende, ao contrário, ao caráter seco, pois as distâncias à costa aumentam. Tal característica é sobretudo marcante ao longo das costas ocidentais e nas latitudes tropicais, onde se localizam os desertos. finalmente, razões ligadas à composição química da atmosfera e, particularmente, ao seu teor em gás carbônico. CO2 é um gás estufa (11); sua abundância na atmosfera provoca aquecimento e aumento da evaporação sobre as zonas oceânicas tropicais. Por conseqüência, a evaporação sobre os oceanos provoca um aumento da umidade sobre os continentes, particularmente nas zonas equatoriais e sob as latitudes médias, temperadas. A redução em seu teor, por outro lado, provoca queda na temperatura e umidade globais.


O gás carbônico é produzido de diferentes maneiras: pelo metamorfismo das séries carbonatadas antigas e sua transformação em rochas silicáticas novas; pela alteração submarina dos basaltos da crosta oceânica (troca entre Ca da crosta e Mg do oceano); e pela oxidação (erosão química) das matérias orgânicas fósseis.
O consumo de gás carbônico é assegurado pela alteração de rochas silicáticas antigas e por sua transformação em rochas carbonatadas novas; e pela erosão de matérias orgânicas recentes, soterradas nos sedimentos para reencontrar o reservatório sedimentar de carbono orgânico fóssil (Garrels & Mackenzie 1971).
As taxas de produção de gás carbônico e seus teores na atmosfera são fortes, quando a subducção e o metamorfismo, de um lado, assim como a expansão oceânica e a circulação hidrotermal, por outro, são intensos (
figuras 1 e 2). Por essa razão, o clima dos tempos de submersão é geralmente quente e úmido; o dos tempos de emersão, em geral, frio e seco.



Velhos ciclos geodinâmicos


Desde um bilhão de anos e com a periodicidade de cerca de 250 milhões de anos sucederam-se na Terra grandes épocas quentes e, provavelmente úmidas, quando os continentes foram divididos e a tectônica de placas ativada: 850 Ma, 700 Ma (Proterozóico Superior), 380 Ma (Devoniano) e 100 Ma (Cretáceo) ou frios e secos quando os continentes foram, ao contrário, unidos e formavam pangéas (
12), ao fim das grandes orogêneses. Foi o que se produziu em torno de 300 Ma (Permo-Carbonífero) assim como entre 20 e 0 Ma (Neógeno, Quaternário).


Desde a formação dos primeiros depósitos marinhos e a colocação em funcionamento dos grandes ciclos tectônicos, estima-se que a massa dos sedimentos foi, em média, reciclada seis vezes. Contudo, a duração dos ciclos não é a mesma e parece que que o ritmo das sucessivas reciclagens foi acelerado, particularmente durante o Proterozóico Superior e o Fanerozóico (
figura 3).
As flutuações da tectônica global aparecem, portanto, como um conjunto de fatores que determinaram, na escala dos tempos geológicos, as amplas oscilações do clima.


Mensagem sedimentar e balanço geoquímico global


As flutuações da tectônica global repercutiram sobre o balanço da erosão e da sedimentação, sobre a composição do oceano e da atmosfera, assim como sobre a distribuição geoquímica dos elementos entre os diferentes reservatórios de superfície. Na escala dos tempos geológicos considera-se com muito interesse as oscilações de composição do oceano e da atmosfera, se bem que as variações registradas influam pouco sobre o balanço de distribuição global. Na escala global da Terra pode-se considerar que elementos como o carbono, o oxigênio, o enxofre, o silício etc. estão presentes em quantidades totais constantes, mas que tais elementos se distribuem de maneira variável nos diferentes reservatórios sedimentares da litosfera. Essa hipótese, solidamente verificada, é hoje a chave das interpretações modernas em geoquímica global. A visão sobre o mundo sedimentar, os conceitos de ambiente sedimentar e de meio de deposição de fácies paleoclimáticas representativas foram renovados. Os depósitos evaporíticos, supostos característicos de climas quentes e secos e os depósitos carbonatados, supostos característicos de mares quentes e pouco profundos, para tomar apenas dois exemplos notórios, estão, não apenas sob a dependência do clima planetário, mas também sob a força determinante do balanço geoquímico global. A força determinante relativa ao balanço pode até superar a determinação do meio, de tal sorte que a abundância de uma fácies sedimentar particular não é diretamente característica do clima que lhe era, no entanto, favorável.


Reservatórios e fluxo de superfície


O carbono flutua entre os dois reservatórios de carbono oxidado (carbono mineral: carbonatos de cálcio – calcários e carbonatos de magnésio – dolomitos) e o reservatório de carbono reduzido (carbono orgânico: carvões, betumes querogênio, petróleo, gás). O enxofre distribui-se entre o reservatório de enxofre oxidado (sulfatos: gipso, anidrita dos evaporitos e sulfatos dissolvidos no oceano) e o reservatório de enxofre reduzido (sulfetos: pirita dos sedimentos redutores). A sílica fica com o magnésio, incorporados nas argilas de alteração da crosta oceânica, com o cálcio nos silicatos de metamorfismo ou com o ferro e o alumínio nas argilas dos solos e dos sedimentos detríticos. O ferro está distribuído entre um reservatório oxidado (hematita, argilas) e um reservatório reduzido (pirita). O oxigênio dos reservatórios oxidados, enfim, distribui-se, portanto, entre os carbonatos, os sulfatos e as argilas ou os óxidos de ferro férrico. No conjunto, a quantidade de cada um desses elementos permanece constante; somente muda a distribuição de um reservatório a outro. A dimensão de cada um dos reservatórios flutua ao mesmo tempo que as condições determinadas pelas flutuações da tectônica global. Assim, os fluxos de matéria entre os diferentes reservatórios oscilam com o tempo.


A teoria das causas atuais, sem dúvida, continua respeitada, mas a das condições atuais não é mais considerada. Os fatores e as causas atuais dos fenômenos são sempre os mesmos. Contudo, as condições atuais geralmente não são aquelas do passado, salvo por períodos bem precisos, como a época glacial do fim do Carbonífero e do começo do Permiano, por exemplo, época semelhante, em muitos aspectos, à do tempo presente, ou seja, à do Quaternário e do que se chama vulgarmente de Atual. Os modelos em geoquímica global são baseados no conhecimento das taxas de sedimentação, ou de conservação (de permanência ou sobrevivência, survival rate, como se diz em inglês), das massas sedimentares de todas as idades, assim como nas variações conjuntas de composição isotópica do carbono, do enxofre ou do oxigênio dos carbonatos, das matérias orgânicas, dos sulfatos e dos sulfetos.


As descobertas suscitadas pelos modelos de geoquímica global são surpreendentes. Sem dúvida, o resultado mais interessante é o de ter verificado que os fluxos de transferência de um elemento dado entre os diferentes reservatórios que o contêm estavam ligados (o que sustém a hipótese de base, de maneira evidente) mas também de ter encontrado que os fluxos de diferentes elementos entre os diferentes reservatórios não eram independentes (o que não era evidente a priori, ou, dito de outra forma, o que resulta também da hipótese de base mas de maneira pouco evidente, desta vez).


O ciclo do carbono mineral


Os ciclos tectônicos, vulcânicos e metamórficos determinam os pulsos dos fluxos de gás carbônico emitidos para a atmosfera e o oceano. Regem, assim, os ritmos de sedimentação do carbonato de cálcio das séries sedimentares calcárias. Pode-se escrever, simplificando, a seguinte reação química, de duplo sentido:
CaCO3 + SiO2 = CaSiO3 + CO2


Da esquerda para a direita, a reação é aquela do metamorfismo das séries calcárias antigas. Da direita para a esquerda, a reação de compensação é aquela da alteração das rochas silicatadas antigas e formação das séries calcárias recentes. O aumento da cadência tectônica e metamórfica destrói parte dos calcários antigos. O CO2 emitido é imediatamente (no sentido geológico do termo) consumido, simultaneamente à alteração, e reincorporado nas novas séries sedimentares carbonatadas que se desenvolvem tanto mais quanto mais intenso é o metamorfismo fonte do gás carbônico. No entanto, no reservatório da atmosfera, o teor em CO2 é elevado e o clima é quente e úmido. Provavelmente não é devido à época na qual os mares são quentes que se depositam grandes quantidades de carbonatos; mas por serem destruídas grandes quantidades de carbonatos antigos que são criadas, em compensação, grandes séries carbonatadas recentes (
figura 1).


É, portanto, justo acreditar que em período quente o limiar de precipitação dos carbonatos seja abaixado, mas não é certo supor que um aumento de temperatura seja o mecanismo motor da sedimentação carbonatada. Para precipitar CaCO3 – o carbonato de cálcio – é preciso uma fonte de CO2 – o gás carbônico – fornecido pelo metamorfismo das séries carbonatadas antigas e uma fonte de Ca – o cálcio – fornecido pela alteração das rochas aflorantes, expostas aos agentes atmosféricos. Não se deve, portanto, confundir as causas e os efeitos. Os mecanismos físico-químicos que controlam o sentido das reações de transferência são uma coisa. A necessidade de frear o balanço global é outra.


Os ciclos tectônicos determinam os pulsos do relevo e agem diretamente sobre o ritmo de exposição dos sedimentos antigos submetidos aos agentes do clima da época. O clima, pela pluviosidade e pela temperatura, intervém também diretamente sobre a erosão (Tardy et al. 1989). A erosão é química e mecânica; mas, na escala global, a erosão mecânica comporta componentes químicos de grande importância.


A erosão mecânica, fonte de oxigênio


Se, como acabamos de ver, a erosão química por oxidação dos sulfetos e das rochas carbonatadas da litosfera consome oxigênio, a erosão mecânica das matérias orgânicas, ao contrário, o produz.


A erosão mecânica exerce, por exemplo, o controle do fluxo de oxigênio emitido (ou consumido) em direção (ou a partir) da atmosfera e do oceano. Pode-se escrever, simplificando, a seguinte reação, de duplo sentido:
CO2 + H2O = CH2O + O2


Da esquerda para a direita, a reação de fotossíntese produz matéria orgânica e oxigênio. Da direita para a esquerda, a reação de oxidação ou de mineralização da matéria orgânica consome oxigênio e produz gás carbônico. Geralmente, as duas reações se equilibram e a biomassa permanece constante.


Entretanto, cada vez que, por erosão mecânica, retira-se de um solo um mol de matéria orgânica e, num lago ou num oceano, este mol é imobilizado, soterrado num sedimento (querogênio, betume, turfa, carvão, de formação recente), tal fato significa que, irreversivelmente (ou por um longo tempo), um mol de gás carbônico foi consumido e, portanto, produzido um mol de oxigênio.


Da esquerda para a direita, por outro lado, a reação é de oxidação da matéria orgânica fóssil anteriormente depositada. Por erosão química natural ou por combustão industrial, o resultado é o mesmo: matéria orgânica é destruída, oxigênio é consumido e CO2 é produzido. É esta a reação que se tornou responsável pelas mudanças do clima atual por modificação do efeito estufa.


Ciclo do carbono orgânico


Por outro lado, o carbono pode ser envolvido em reação de competição entre matéria orgânica, fonte ou fixadora de carbono orgânico e carbonato de cálcio, fonte ou fixador de carbono mineral. Intervém aí, necessariamente, para assegurar o funcionamento das transferências, um silicato da litosfera, fonte de cálcio que, liberado pela alteração sobre os continentes, é o fixador, no oceano, do carbono mineral:
CH2O + O2 + CaSiO3 = CaCO3 + SiO2 + H2O


Da esquerda para a direita, a oxidação da matéria orgânica, a alteração dos silicatos de cálcio, sob efeito da erosão química, acarreta a formação de carbonatos de cálcio e o depósito de sílica sedimentar. Da direita para a esquerda, o gás carbônico liberado pelo metamorfismo das séries calcárias antigas é utilizado não mais para a formação de calcário novo mas para o desenvolvimento de matéria orgânica nova.


Quando da síntese orgânica, produz-se um fracionamento dos isótopos (
13) de carbono e o isótopo leve (12C) é preferido ao isótopo pesado (13C). Assim, as flutuações das quantidades relativas de carbono orgânico e de carbono mineral traduzem-se por variações de composição isotópica do carbono em cada um dos dois reservatórios sedimentares orgânico e mineral. Quando o reservatório orgânico é fortemente intensificado (caso do Carbonífero e do Permiano), os carbonatos de mesma idade, depositados em quantidades menores, se enriquecem no isótopo pesado (13C), pois o isótopo leve foi preferencialmente utilizado na síntese orgânica.


Entrelaçamento dos ciclos do carbono e do enxofre pelo oxigênio


Ao procurar-se integrar os ciclos dos diferentes elementos, percebe-se que é preciso considerá-los juntos, pois todos estão interligados. As reações químicas de transferência devem ser, como se diz, equilibradas: 4 FeS2 (sulfeto de ferro, reduzido) + 7 MgCO3 (pólo magnesiano dos dolomitos) + 8 CaCO3 (dolomitos e calcários) + 7 SiO2 (sílica sedimentar) + 15 H2O = 15 CH2O (matéria orgânica) + 8 CaSO4 (gipso dos evaporitos) + 7 MgSiO3 (argilas de alteração dos basaltos submarinos) + 2 FeO3 (ferro oxidado das argilas e óxidos).


Da esquerda para a direita, o ferro ferroso e o enxofre reduzido dos sulfetos de ferro são oxidados e transformadados em óxidos e em sulfatos, enquanto o carbono oxidado dos carbonatos é transformado em carbono orgânico reduzido. Da direita para a esquerda são observadas as reações contrárias; nos dois casos, o carbono, o enxofre, o silício, o cálcio, o magnésio mas também o oxigênio são conservados. A formação, no curso de determinada época, de grande quantidade de matéria orgânica é acompanhada, necessariamente, de importante oxidação dos sulfetos e de forte aumento dos sulfatos ou do ferro férrico para consumir as enormes quantidades de oxigênio produzidas. É tipicamente o caso do Permiano, que pode ser citado entre outros exemplos (
figuras 4 e 5).


Balanço geoquímico e meio de depósito


Assim, seria necessário prudência quando se tenta reconstituir os paleoclimas em função da abundância das fácies sedimentares características. Às características próprias ao meio de deposição, juntam-se as circunstâncias do balanço global. Exemplo simples pode ilustrar tal proposição: uma vez constatada hoje uma importante deposição de gipso evaporítico no Golfo Pérsico, pode-se pensar que a intensa evaporação, característica do clima quente e seco que impera na região seja a causa dessa precipitação salina. No entanto, tal deposição somente pode ser abundante se o Golfo for alimentado em sulfato para compensar a parte perdida. Em caso de falta dessa alimentação, toda a precipitação cessaria. É de se supor que o resto do oceano fornece tal compensação e que ele próprio é alimentado por uma fonte que não pode ser outra senão continental. Nesse caso, é necessário investigar quais são as causas geodinâmicas responsáveis por tão importante oxidação dos sulfetos de ferro e, portanto, também responsáveis pela síntese de quantidade também tão grande de matéria orgânica, único processo capaz de fornecer o oxigênio necessário a essa oxidação etc. O Cretáceo foi considerado como um período quente e seco devido à abundância dos depósitos evaporíticos. Sabe-se hoje, entretanto, que esse período foi quente mas úmido. A abundância dos depósitos evaporíticos do Permiano poderia levar à crença de que tal época teria sido quente e seca, enquanto a abundância de carvões levaria à conclusão que ela foi quente e úmida. De fato, o Permiano foi globalmente frio e seco. Evaporitos e carvões formaram-se ao mesmo tempo: os evaporitos nas latitudes tropicais, os carvões nas latitudes periglaciais, em regiões úmidas, apesar do caráter global seco do clima. Uma interpretação por demais clássica, teria considerado o Permiano como quente e frio, seco e úmido. Note-se que o globo terrestre oferece hoje, como sempre ofereceu no passado, grande variedade de zonas climáticas, quaisquer que tenham sido as tendências do clima global. Com efeito, a Terra sempre pôde responder, pela diversidade de seus climas, às necessidades do balanço geoquímico global, cujos pulsos são comandados pela atividade tectônica, esta também global.


Tal fator é válido na escala dos tempos geológicos e, digamos também, na escala das flutuações apercebidas na duração da ordem de um milhão de anos. Em escalas mais curtas, é preciso considerar outras causas de flutuações ligadas à dinâmica celeste e aos ciclos de Milankovitch, por exemplo. Tome-se aqui os exemplos das oscilações do clima que animaram o Quaternário, assim como o século atual.

As oscilações climáticas no modo normal (
14)

No terciário e no quaternário


No Permiano, os continentes são reagrupados em torno do pólo sul; a atividade tectônica global é desacelerada; o nível dos mares baixo; o clima global (todas as zonas climáticas, sobre terra e sobre mar) frio e seco; as estepes e os desertos são extensos; o pólo sul é o centro de uma vasta glaciação. O escoamento superficial é modesto; a erosão mecânica e a erosão química são fracas; a pedogênese é refreada; a cobertura vegetal pouco extensa.


No Cretáceo e no Paleoceno, os continentes são divididos; seu centro de gravidade é próximo do Equador; a tectônica global viva; o teor em CO2 da atmosfera é 30 vezes mais importante que o conhecido hoje; o efeito estufa é forte; a temperatura global de 25ºC, ou seja, 10ºC a mais que os 15ºC atuais. O clima global é quente e úmido; os desertos pouco extensos; as geleiras ausentes. O escoamento superficial é elevado (50% mais forte que atualmente); a erosão mecânica e a erosão química intensas; a taxa de sedimentação elevada; a pedogênese ativa e as lateritas se desenvolvem sobre grandes extensões; a cobertura vegetal é densa e cobre vastas superfícies nos domínios temperado e equatorial.


Ao longo do Terciário e do Quaternário, os continentes são soldados novamente; desta vez, ao redor do pólo norte, enquanto o continente Antártico, de altitude elevada, ocupa o pólo sul. A tectônica global, com exceção de um sobressalto há cerca de 40 Ma, diminui progressivamente. Desenvolve-se grande regressão do nível dos mares. As glaciações se sucedem desde o fim do Eoceno e culminam ao final do Quaternário. A glaciação de Würm foi a mais rude. Os desertos, particularmente o Sahara, expandiram-se em direção ao norte e ao sul; a extensão do Sahara, por exemplo, é máxima há cerca de 20 mil anos. O teor em CO2 da atmosfera diminuiu; a temperatura global também. O escoamento superficial reduziu-se; a erosão química enfraqueceu consideravelmente, embora a mecânica tenha aumentado em conseqüência da orogênese alpina; a floresta regrediu (
figura 6).





Oscilações de segunda e terceira ordens vieram se superpor à tendência geral do clima que, de quente e úmido, passou a frio e seco. Tais oscilações foram também produzidas sobre o modo normal, associando estádios glaciais muito frios e secos alternados com interestádios mais amenos e úmidos. É interessante sublinhar que as flutuações dos teores em CO2 da atmosfera, nas diferentes escalas de tempo consideradas, acompanharam as oscilações da temperatura. Geralmente considerado como especificamente responsável ou como variável explicativa do efeito estufa, o gás carbônico poderia ser visto apenas como uma variável explicada, cujas variações seriam simples conseqüências e não causas das flutuações de temperatura. As reações no ciclo do carbono, ligadas aos outros ciclos elementares, são tão numerosas e tão imbricadas que apenas se pode abordar simplificadamente. É preciso ainda investigar.


Oscilações milenares e seculares do clima nas escalas de 100 e 1.000 anos
O exame das flutuações, desde há 100 anos, do fluxo dos rios do mundo inteiro e das temperaturas anuais sobre o conjunto dos oceanos e dos continentes permite a seguinte síntese: o escoamento continental global (soma dos fluxos de todos os rios e correntes que escoam sobre os continentes) aumentou. Contudo, em certas regiões do globo, o fluxo aumentou durante a primeira metade do século e diminuiu durante a segunda. Em outras regiões, ao contrário, o fluxo diminuiu durante a primeira mas aumentou durante a segunda metade do século. As oscilações seculares da pluviosidade são compensadas de uma região para a outra. Enfim, o aumento refere-se apenas aos continentes e não aos oceanos, de sorte que nada permite concluir ter a Terra toda se tornado mais úmida. É possível, de fato, que o excesso de pluviosidade sobre os continentes seja compensado por um déficit sobre os oceanos. A escala continental, considerando o conjunto dos continentes, não deve ser confundida com a escala global, ou seja, a escala de todo o Globo Terrestre.


Em 100 anos, na escala anual, as oscilações do fluxo foram muito fortes (mais ou menos 50% de um ano a outro). Todavia, de uma região para a outra, as oscilações não são sincrônicas, mas defasadas. De leste a oeste ou de norte a sul, com efeito, propagam-se ondas de seca e de umidade que constituem a explicação do mecanismo de compensação, tomado em escala continental ou planetária. As ondas defasadas que aparecem como quase cíclicas são, na verdade, policíclicas e reguladas com as freqüências de emissão das manchas solares. Sobre o mar, o ritmo das vagas é o mesmo, apesar de, no porto, a posição dos barcos que flutuam não ser idêntica de um ponto a outro; uns se elevam quando outros se abaixam; uns culminam sobre as cristas enquanto outros estão mais abaixo, entre as cristas.


A temperatura global média aumentou. Entretanto, como para o fluxo (fortemente ligado à pluviosidade), as oscilações seculares são compensadas em escala regional e em escala local. Para a Terra como um todo, de um ano a outro, por exemplo, as flutuações se fazem para 75% no modo normal (quente e úmido contra frio e seco) e para 25% no modo anormal (quente e seco contra frio e úmido) (
figuras 7, 8, 9 e 10).








As flutuações de temperatura e de umidade são na verdade determinadas pela posição dos anticiclones e das depressões sobre os oceanos e sobre os continentes que, de um mês a outro, de um ano a outro, de um século a outro, ou mesmo de um milênio a outro oscilam em posição, no ritmo e à maneira do SOI (southern oscillation index – índice de oscilação sulina – mensageiro do El Niño). Esta dança de altas e baixas pressões é determinada pelas bolhas de ar polar que, provenientes alternadamente do pólo sul ou do pólo norte, são enviadas mais ou menos distante para o Norte ou para o Sul, em direção ao Equador (Leroux, 1994).
O estudo da bacia do Amazonas, no Brasil, mostra que com as oscilações climáticas – as quais, como acabamos de dizer, são fortes – variam os ritmos de consumo de gás carbônico, de mineralização da matéria orgânica, de erosão física e de erosão química. Na escala de uma estação, de um ano e de um milênio, oscilações dos fatores do clima e flutuações dos parâmetros que definem o ambiente são interconectadas.


Tal modelo é aplicável às flutuações do clima dos últimos 20 mil anos que se seguiram à última grande glaciação, denominada glaciação de Würm. Em torno de 18 mil anos para a Europa do Norte e de 16 mil anos para a América do Sul, instala-se um episódio frio e seco, enquanto o Sahara encontra-se muito ampliado entre 20 mil e 15 mil anos. Simultaneamente à deglaciação, instaura-se, nas regiões antes geladas, clima ameno e chuvoso. Há cerca de 8 mil anos, o Sahara era verde. É a época do Paraíso Terrestre, onde abundam a água, o leite, os frutos, a caça, os belos guerreiros e as belas amazonas,


representados em toda parte pelos afrescos rupestres sobre as paredes de grutas pré-históricas. Há cerca de 6 mil anos, o clima se deteriora; a água torna-se escassa, a desertificação avança; a vida torna-se difícil e o trabalho necessário. A seqüência está na Bíblia e a noção do pecado original deve ser talvez investigada no contexto de uma severa crise climática.


Pode-se acreditar ou não! Mas deve-se saber que nossas interpretações e nossa visão científica do Mundo, impregnadas por antigas crenças, são provenientes de velho arcabouço cultural, todo ele elaborado ao curso de alternâncias entre nossas horas de facilidades e nossos dissabores paleoclimáticos.


Evolução, oscilações e crises do ambiente
Está o Homem a caminho de destruir a Terra, que, nos diz a Bíblia, foi criada para que ele a dominasse? Desde 3,5 bilhões de anos a Terra vive permanentemente submetida a crises do clima e do ambiente: transgressões e regressões marinhas, vulcanismo, glaciações, aquecimentos, desertificações, dilúvios, florestas densas, escassez ou abundância de oxigênio, de ozônio ou de gás carbônico etc., piores do que aquelas pelas quais nos cremos responsáveis atualmente. A Vida atravessou tudo isto! E se a Evolução é sinônimo de diversificação, poderia acontecer que a Evolução não tivesse sido possível não fossem os sobressaltos e oscilações do clima e do ambiente. A Vida teria utilizado estas crises para diversificar-se e evoluir. Mas a Vida modificou e continua a modificar o ambiente e assim, também, o clima. A Terra é, portanto, um sistema. A Terra é um ser vivo superior, nos diz Lovelock (1984).


Todo desenvolvimento, por mais equilibrado que seja, acarreta uma poluição. Ambiente e desenvolvimento devem ser considerados em conjunto! A primeira grande poluição foi, sem dúvida, aquela da chegada do oxigênio livre na atmosfera, fruto do desenvolvimento da biomassa bacteriana e algal procariótica que, praticamente sem evolução, acumulou-se durante dois bilhões de anos, conservada nos sedimentos primitivos ou nas rochas metamórficas. A reação foi grandiosa e os processos de formação dos eucariotas é o resultado da simbiose de bactérias, explica-nos Lynn Margulis (1989).


Pode-se imaginar que algumas dessas bactérias vieram se abrigar do oxigênio que havia sido por elas produzido e se proteger de seus resíduos (excrementos), desenvolvendo para seus núcleos um envólucro mais adequado com relação ao mundo exterior. Nesse instante preciso da evolução, a grande revolução biológica se cumpriu. O desenvolvimento dos organismos eucariotas, nos quais nos incluímos, resulta, sem dúvida, da poluição da atmosfera pelo oxigênio.
A partir dos organismos primitivos com núcleo mas ainda com reprodução assexuada, desenvolveram-se os organismos sexuados monocelulares, pluricelulares; depois os animais com

esqueleto externo, com esqueleto interno, com sistema nervoso; os peixes, os répteis, os pássaros, os mamíferos; Lucy e o Cavalier Polonais, de Rembrandt, considerado como o ser mais evoluído da Criação. Tal evolução parece ter se expandido e se acelerado a partir de um bilhão de anos, quando os ciclos da tectônica global se colocaram em pleno funcionamento. Na escala dos Tempos Geológicos (tempo de existência da Terra), a biodinâmica e a geodinâmica interagem. O Vivo e o Mineral: da litosfera à atmosfera e da hidrosfera à biosfera, são os órgãos da Terra que Lovelock (1984) considera como únicos seres vivos.



Conclusão


Visão crítica sobre as relações de causa e efeito, elogio das mudanças de escalas de tempo e de espaço.


Tais são as interpretações, quando se trata das relações entre as oscilações dos fatores climáticos e as flutuações dos parâmetros do meio ambiente que lhe são associadas. Pode-se enganar de escala e acreditar, precipitadamente, que as oscilações do clima se fazem sempre em modo normal: quente e úmido contra frio e seco; seria esquecer que as transições entre estes dois regimes ocorrem, na maior parte do tempo, no modo já definido (Tardy, 1986) como anormal: frio e úmido contra quente e seco. Pode-se supor – sem muita certeza, no entanto – que as flutuações dos teores em CO2 da atmosfera apenas acompanham as oscilações de temperatura e umidade do clima, ou sejam apenas suas conseqüências e não suas causas. Pode-se também crer – e não seria absurdo – que a enorme taxa de produção de CO2 em direção à atmosfera, conseqüente do atual desenvolvimento industrial, não seja a causa profunda do aumento de temperatura, da elevação do nível do mar e do aumento da pluviosidade sobre os continentes. Contudo, é provável – e já é mais seguro dizê-lo assim – que o aumento do teor em CO2 atmosférico por combustão estimula um aumento de temperatura e de umidade que poderiam ser apenas naturais. Finalmente, seria totalmente correto afirmar que, para os últimos 100 anos, esses três parâmetros aumentaram juntos. Percebe-se, de um lado, que esta constatação, verificável na escala do século, não era perceptível na escala do ano. A prudência deveria, portanto, impor-se.
Em Ciência da Terra, como em outras ciências da Natureza, deve-se ter sempre em mente que, em geral, há precipitação em identificar uma causa para cada um dos fenômenos observados. Tal atitude costuma ser demasiadamente passional para o que se pensa ter descoberto. Deve-se ainda ter em mente que, a partir do momento no qual se acha que duas variáveis são bem correlacionadas, a tendência é se pensar que uma é explicativa de outra. Às vezes ocorre o contrário; ou,

freqüentemente, é uma terceira variável que é explicativa das duas primeiras. Dever-se-ia, igualmente, levar frontalmente em conta o estudo dos mecanismos e das causas, o estudo dos processos, isto é, dos caminhos seguidos e, enfim, o estudo dos balanços, ou seja, das quantidades colocadas em jogo. Essas três etapas deveriam ser consideradas em várias escalas. A Natureza é apreendida a várias escalas, de tempo e de espaço! A Natureza é um sistema complexo (Morin, 1982; Morin & Kern, 1993).


Deve-se, na verdade, saber que uma lei estabelecida a uma dada escala pode se revelar inválida em outra escala de tempo ou de espaço. A escala de tempo baliza a história e as flutuações somente podem ser percebidas pelas séries históricas. O físico determina condições de experimentação, para que possa guiar suas interpretações. O naturalista também usa experimentações mas deve, para tanto, aguardar que a Natureza lhe forneça as condições, as variações e as co-variações que ele espera interpretar. Para bem compreender a Terra e seu meio de superfície seria urgente criar observatórios permanentes do Ambiente.
Para bem compreender o ambiente planetário dever-se-ia mesmo evitar as interpretações demasiadamente antropocêntricas e não crer que o andarilho que se encontra numa encruzilhada vai necessariamente seguir a mesma direção que temos a intenção de seguir. O clima de uma região, por mais caro que nos seja, não evolui necessariamente como o clima das outras regiões e nem como o clima global. O segmento ascendente de uma oscilação não deve ser visto com parcialidade como uma tendência extrapolável por longo tempo, pois, após o fluxo, vem freqüentemente o refluxo. A evolução, quando é constatada, não deve ser compreendida como um progresso ou como uma regressão, mas simplesmente como uma modificação de longo termo. O conceito de progresso ligado ao da evolução não deveria entrar num procedimento científico.


A evolução, se ela existe realmente, conduziu e será finalizada no Homem? Se o Homem receia não poder dominar a Terra e se ele se comporta como se tivesse a intenção de destruí-la, por que, portanto, ela culminaria nele? O destino da Terra ultrapassa, talvez, o do Homem, como já ultrapassou mais de quatro bilhões de espécies nascidas e desaparecidas ao longo dos tempos geológicos. Procuremos conhecer a Terra por ela mesma. Observemos e meçamos sem descanso! Esperemos, decifrando as mudanças cíclicas, em todo o espaço e ao fio de todos os tempos. O remoto revela o próximo, o passado esclarece o presente e o presente pode pré-figurar o futuro. Observemos e esperemos, medindo, que a Terra nos forneça os segredos de sua oscilações compensadas.




Notas de esclarecimento da tradutora Maria Cristina Motta de Toledo:
1 Ciclo geoquímico – Conjunto de transferências de um elemento químico ou substância de um reservatório geológico a outro, através dos vários processos geológicos, de modo a fechar um ciclo após certo tempo, variável.


2 Alteração – Termo aqui usado no sentido de alteração intempérica, ou seja, modificações (físico-mecânicas ou químicas) pelas quais os minerais constituintes das rochas passam quando expostos à ação dos agentes intempéricos (águas da chuva, variação de temperatura, presença de substâncias orgânicas e oxigênio, principalmente). O produto da alteração é, num primeiro momento, a rocha alterada e, posteriormente, através da pedogênese, o solo. Durante a alteração e a pedogênese, elementos e substâncias solúveis podem ser transportados pelas águas de escoamento superficial ou subterrâneo.


3 Argila – termo genérico aqui utilizado para designar os argilominerais (minerais de composição aluminossilicática, geralmente de dimensões muito pequenas, menores que 2µ(m) formados pela ação da alteração intempérica sobre os minerais silicáticos (principal grupo de minerais formadores de rochas). Representa uma fase residual da alteração, em oposição à fase móvel, que é removida com as águas de drenagem.


4 Ferro ferroso – Ferro no estado reduzido, equilibrado com ambientes redutores, isto é, com falta de oxigênio livre.


5 Red Beds – Camadas sedimentares avermelhadas pela presença de ferro no estado oxidado (ferro férrico), passíveis de formação somente em ambiente oxidante, significando, portanto, a presença de oxigênio livre na atmosfera na época de sua formação.


6 Tectônica – (do grego tektonikos: relativo ao arcabouço) Conjunto de deformações causadas por movimentos, que afetam os terrenos geológicos após a sua formação. Terremotos, dobramentos de rochas, soerguimentos de montanhas, entre outros, são processos tectônicos.


7 Tectônica de placas – Teoria que explica a dinâmica terrestre com base no movimento relativo de separação e colisão das placas tectônicas, movidas a partir de correntes de convicção no material sólido e plástico abaixo delas. O mosaico de placas constitui a Litosfera (espessura variando de cerca de 10 a 100 km), que corresponde à Crosta e à porção superior do Manto Superior.


8 Rifte – (do inglês rift) Vale mais ou menos profundo existente ao longo das dorsais meso-oceânicas. As dorsais correspondem a cordilheiras submarinas, que existem em todos os oceanos e são formadas nas zonas de separação de placas, onde há contínua formação de assoalho oceânico novo por vulcanismo submarino.


9 Subducção – Zona de colisão de placas, onde uma placa, oceânica, mergulha sob a outra, continental. A placa que mergulha, ou seja, que sofre a subducção, termina por sofrer fusão parcial dentro do manto, tendo seu material reciclado, enquanto que a placa continental sofre deformações (dobramentos) e é soerguida, gerando cadeias de montanhas continentais; ao lado dessas cadeias montanhosas formam-se as fossas tectônicas oceânicas. Exemplo: Cadeia dos Andes e Fossa Chilena-peruana.


10 Metamorfismo – Conjunto de processos geológicos que transformam as rochas no estado sólido, sob efeito do aumento de temperatura e da pressão. Zonas de colisão de placas são uma das sedes destes fenômenos.


11 Gás estufa/Efeito estufa – O autor utilizou, em seu original, o termo "efeito de serra" (effet de serre), em analogia ao comportamento sobe-e-desce da radiação solar, parcialmente aprisionada entre sucessivas reflexões na superfície terrestre e na atmosfera (devido à presença dos gases-estufa). Em português o termo estufa tem sido utilizado com maior freqüência.


12 Pangea – Nome dado ao supercontinente formado pela união de todas as terras emersas, que existiu há cerca de 250 milhões de anos. Significa toda a terra. O oceano único que existiu neste período é denominado de Panthalassa (toda a água).


13 Isótopo – Duas espécies atômicas são chamadas isótopos quando têm o mesmo número de elétrons e o mesmo número de prótons, mas diferem pelo número de nêutrons. Isto resulta em mesmas propriedades químicas mas diferentes propriedades físicas. Assim, um isótopo leve pode ser preferido a um pesado quando o peso interfere no processo considerado. Os estudos isotópicos têm se revelado de enorme utilidade na interpretação de vários processos naturais.


14 Modo normal e modo anormal de oscilação climática – Segundo Tardy (1986), o modo normal de oscilação climática é aquele entre os climas quente-úmido e frio-seco, enquanto que o modo anormal é entre os climas quente-seco e frio-úmido.


Referências bibliográficas


GARRELS, R.M & MACKENZIE, F.T. Evolution of sedimentary rocks. W.W. Norton and Co., Inc., 1971. 397 p.


HARRIS, S.A. & FAIRBRIDGE, R.W. Ice-age meteorology. In: R.W. Fairbridge (ed.) Encyclopedia of atmospheric science and astrogeology. Reinhold Publ. Co., 1967, p. 454-461.


LEROUX, M. Interprétation météorologique des changements climatiques observés en Afrique depuis 8000 ans. Climatic change and geomorphology in tropical environments. Roy. Acad. Overseas Sciences, Bruxelles, Belgique, Geo-Eco-Trop, v. 16, n.1-4, p. 207-258, 1994.


LOVELOCK, J. La Terre est un être vivant. L'hypothèse Gaïa. Paris, Le Rocher, 1984.


MACKENZIE, E.F. & PIGOTT, J.D. Tectonic controls of Phanerozoic sedimentary rock cycling. London, J. Geol. Soc., 138, p. 183-196, 1981.


MARGULIS, L. L'univers bactériel. Paris, Albin Michel, 1989. 333 p.


MORIN, E. Science avec conscience. Paris, Fayard, 1982. 328 p.


MORIN, E. & KERN, B. Terre-Patrie. Paris, Seuil, 1993. 217 p.


N'KOUNKOU, R.R. Hydrogéodynamique actuelle du Congo et de l'Amazone. Cycle global de l'eau et bilan de l'érosion au cours des temps phanérozoïques.

Strasbourg, France, 1989. Thèse (doctorat), Université Louis Pasteur.


PROBST, J.L. & TARDY, Y. Global runoff fluctuations during the last 80 years in relation to world temperature change. American Journal of Science, 289, p. 267-285, 1989.


PROBST, J.L. Géochimie et hydrologie de l'érosion continentale. Sci. Géol. Mém., 94, 1992. 161 p.


REEVES, H. Patience dans l'azur. Paris, Seuil, 1981. 241 p.
__________. Malicorne. Réflexions d'un observateur de la nature. Paris, Seuil, 1990. 216 p.
TARDY, Y. Le cycle de l'eau. Climats, paléoclimats et géochimie globale. Paris, Masson, 1986. 338 p.


__________. Erosion. Encyclopédia Universalis, 9, p. 615-627, 1990.


__________. Pirat: Programme interdisciplinaire de recherche de biogéodynamique intertropicale périatlantique. Sci. Géol. Mém., 96, 1994, 100 p.


TARDY, Y.; N'KOUNKOU, R. & PROBST, J.L. The global water cycle and continental erosion during Phanerozoïc time. American Journal of Science, 289, 4, p. 455-483, 1989.


TARDY Y, & PROBST, J.L. Sécheresse, crises climatiques et oscillations téléconnectées du climat depuis 100 ans. Sècgeressem 3, p. 35-36, 1992.


__________. Sécheresse et crises climatiques. Encyclopedia Universalis, Universalia, 1992, p. 167-174.


TARDY, Y.; FURLAN, J.; MORTATTI, J, & PROBST, J.L. Distribution des oscillations du climat au cours du siècle écoulé. Fluctuations de débit de cinquante grands fleuves du Monde. C.R. Acad. Sci., 320, 2A, p. 945-952, 1995.


*Yves Tardy é professor de Geoquímica da Superfície, Université Louis Pasteur, Institut de Géologie (1, rue Blessig, 67084, Strasbourg – France).

Tradução de Maria Cristina Motta de Toledo. O original em francês – Géochimie Globale: oscillation climatiques et evolution du milieu ambiant depuis quatre milliards d'annees – encontra-se à disposição do leitor no IEA-USP para eventual consulta.


Fonte: SeiFLOBrasil










Nenhum comentário: